Frequentemente a coparticipação em planos de saúde tem inviabilizado o tratamento do autismo no Brasil. O mecanismo, que obriga as famílias a pagar valores adicionais por cada terapia realizada, transforma o direito à saúde em um peso financeiro insustentável. Nesses casos a coparticipação funciona como uma barreira: quanto mais a criança autista precisa de acompanhamento, maior é a coparticipação. O resultado é cruel, pois pais e mães são obrigados a reduzir ou interromper terapias essenciais simplesmente porque não conseguem arcar com os custos.
Esse cenário levou o Judiciário a agir. Nos últimos anos, tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) quanto tribunais estaduais têm reconhecido que a cobrança excessiva de coparticipação é abusiva e inviabiliza o acesso ao direito fundamental à saúde.
O que diz a lei e os limites fixados pelo STJ
O STJ já consolidou parâmetros claros para evitar abusos. Em decisão da 3ª Turma, relatada pela ministra Nancy Andrighi, foi definido que a coparticipação mensal não pode ultrapassar o valor da mensalidade do plano de saúde. Além disso, em cada procedimento, o valor cobrado do beneficiário não pode ser superior a 50% do custo contratado entre a operadora e o prestador de serviço.
A Corte destacou que, embora a coparticipação seja legal e possa estar prevista em contrato, ela não pode se transformar em um obstáculo ao pleno uso do serviço. Quando o valor adicional atinge patamares que comprometem a subsistência da família, há violação direta do princípio da dignidade da pessoa humana.
O entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça está em consonância com a Resolução Normativa nº 465/2022 da ANS, que também prevê o limite de 50% por procedimento, e reforça a proteção do consumidor prevista no Código de Defesa do Consumidor (artigo 47).
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso estabeleceu o limite de duas mensalidades para coparticipação em tratamentos de pessoas autistas
Em 2025, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) analisou um caso emblemático envolvendo uma criança autista cuja família recebeu a cobrança de R$ 11.456,76 em apenas um mês, valor seis vezes maior do que a mensalidade contratada. A Primeira Câmara de Direito Privado reconheceu a abusividade da cláusula e fixou que a coparticipação não poderia ultrapassar o limite de duas mensalidades. Além disso, determinou que a operadora não poderia cobrar o excedente em parcelas futuras, pois tal prática perpetuaria o desequilíbrio contratual e agravaria ainda mais o ônus imposto à família.
Tribunal de Justiça de Pernambuco determina cobertura integral sem coparticipação para autistas
Outro precedente importante veio da 18ª Vara Cível de Recife. Em decisão liminar, o juiz Jefferson Félix de Melo determinou que o plano de saúde custeasse integralmente o tratamento de uma criança com autismo nível 2 de suporte e TDAH. A família não conseguia manter as terapias porque as coparticipações mensais passavam de R$ 2 mil. O magistrado reconheceu a abusividade da prática e determinou a cobertura integral, sem qualquer cobrança adicional
O que essas decisões significam para as famílias
Essas decisões deixam uma mensagem clara: planos de saúde não podem usar a coparticipação como barreira para inviabilizar o tratamento de pessoas autistas. O STJ fixou limites objetivos, como o teto de 50% por procedimento e o máximo do valor da mensalidade por mês. Tribunais estaduais foram além, estabelecendo limites de duas mensalidades ou até mesmo a exclusão total da coparticipação em casos de risco grave de interrupção terapêutica.
Na prática, essas decisões protegem famílias que, sem intervenção judicial, estariam condenadas a escolher entre pagar valores abusivos ou privar seus filhos de terapias fundamentais. Para crianças autistas, cujo desenvolvimento depende da continuidade do tratamento, essa diferença representa muito mais do que uma questão financeira: é uma questão de dignidade, inclusão e futuro.